terça-feira, 8 de dezembro de 2015

DICA DE LEITURA DO DIA


María Teresa Andruetto advoga em seu livro Por uma literatura sem adjetivos a favor da ideia de que o "bom escritor" não produz textos, que crianças e jovens possam ler, vinculados ao que o mercado ou as instituições determinam que seja infantil e/ou juvenil. Ao contrário, ela diz que:
 "O que pode haver de 'para crianças' ou 'para jovens' numa obra deve ser secundário e vir como acréscimo, porque a dificuldade de um texto capaz de agradar a leitores crianças ou jovens não provém tanto de sua adaptabilidade a um destinatário, mas, sobretudo, de sua qualidade, e porque quando falamos de escrita de qualquer tema ou gênero, o substantivo é mais importante que o adjetivo". (2012,p. 61) 
No caso de Andruetto, teoria e prática caminham de mãos dadas, pois sua obra é reflexo do que ela pensa acerca da produção literária. Um dos exemplos de como a qualidade literária proporciona experiências estéticas que não podemos definir a priori a quem se destinam é o livro A menina, o coração e a casa (2012),no Brasil (muito bem) traduzido por Marina Colasanti. 


Nesse livro, a linguagem mescla um ponto de vista infantil a temáticas que tratam do ser mulher e suas histórias de abandono, da paternidade de filhos portadores de Síndrome de Down, sem fazer nenhuma concessão a um discurso simplificado, idealizado ou piegas. A voz do narrador por vezes se confunde com uma voz de criança, com a lógica de pensamento e discursiva da infância; porém, por vezes, é amadurecida e apresenta de forma incisiva as dores de enfrentar o abandono e o preconceito.
A menina, o coração e a casa nos conta como uma menina, Tina, que não gosta de seu nome, tem de enfrentar, aos cinco anos, uma família cuja história de abandono parece impregnada no código genético e atravessa gerações. Por meio da relação com seu irmão Pedro, portador de Síndrome de Down, a menina se fortalece e parte para a ação, tendo ideias que farão com que aquele ciclo possa cessar e, com isso, o mundo a sua volta começa a mudar. Acompanhamos, com cumplicidade, a um ano da vida dessa menina e vamos nos regozijando com suas conquistas, trabalho árduo, porém eficaz.
Ao iniciarmos a leitura, a epígrafe de Audre Lorde, já nos insere no tipo de narrativa com a qual nos iremos deparar.
"Traça-se um mapa de onde já se esteve. mas ainda não há mapa do lugar para o qual nos dirigimos".
Não há respostas prontas, não há sentimentos idealizados, não há personagens perfeitas, lineares. Tudo é dúbio e pode apresentar-se de diferentes maneiras. Cada um deve ser responsável por seguir seu percurso e viver suas próprias experiências. E Tina sabe que não quer repetir o que lhe é apresentado como naturalizado e sem respostas.
A narrativa, em virtude dos percalços enfrentados pela menina, por vezes apresenta um tom melancólico e até mesmo sufocante:
" Um dia, ela tentará reconstruir a vida que agora, quando acaba de completar cinco anos, ainda não entende. Incluirá, então, em seu relato essa tarde de domingo em que ela e o pai voltam sozinhos para casa, com a tristeza que sempre dá aos domingos, e com as primeiras luzes da noite que se acendem do lado de fora da janela do carro." (p.21)
Esse é um livro que deve-se ler com o coração aberto, pois não tem fronteiras e nos deixa pensativos ao final, tanto em relação à temática quanto ao diálogo estabelecido conosco, leitores: Há, afinal, um livro que possa ser apenas para crianças? Há temas que não devem ser discutidos com crianças? O que as crianças sentem e pensam a respeito das diferenças e das convenções? 
Deliciem-se com uma verdadeira obra de arte literária ao ler A menina, o coração e a casa.


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