domingo, 23 de abril de 2017


15º Concurso Leia Comigo! 2016/ FNLIJ

Foi com imensa alegria e orgulho que recebi, no ano passado, a notícia de que havia sido vencedora, com a mais que querida Juliana Borel, do Concurso Leia Comigo!/FNLIJ na categoria Relato Ficção. O texto pode ser classificado como uma autobiografia ficcional, ou seja, uma boa e grande mentira em primeira pessoa! A cerimônia de entrega do prêmio deu-se durante o Salão do Livro organizado anualmente pela FNLIJ e foi muito emocionante! O reconhecimento é sempre gratificante, não me envergonho de dizer. Não que escreva ou faça tudo em função disso, mas é um retorno amoroso ao que fazemos com dedicação e esmero. Chega de blá-blá-blá e vamos a ele, o texto premiado:

                                           
VOVÓ VIU O LIVRO

                       
Foi com Ivo que comi as uvas da Vovó e aprendi a ler. Isso se deu quando eu era bem pequena. Num tempo do qual não tenho muitas lembranças concretas, mas, sim, cheiros, sabores, sensações.
Esse momento em que comecei a ler, por exemplo, é ainda vivido como uma mágica. Por mais que todos os alfabetizadores, pedagogos e outros tantos estudiosos debatam e analisem o tema, a verdade é: ninguém ainda conseguiu descrever como se dá aquele instante preciso em que algo que até então não fazia o menor sentido se transforma na porta aberta para um outro universo: a aprendizagem da leitura.
Eu adoraria reviver essa experiência, daria tudo para isso. Gosto até de brincar de que não sei ler quando tenho a oportunidade de me deparar com um texto em algum idioma bem distinto do português. Mas não funciona muito bem, não. Como já vivencio conscientemente o processo, a brincadeira perde a graça. Falta aquele olhar da primeira vez.
Minha professora no ano em que aprendi a ler chamava-se Dona Margarida. Naquele tempo, as professoras eram Donas e Senhoras, nada de tias e vocês. Mas isso não significa que ela não fosse simplesmente venerada por mim. Uma das sensações prazerosas da escola era a de me perder no brilho do reflexo do sol nos longos cabelos castanho-claros de Dona Margarida. E eu sonhava que, quando crescesse, iria ser igual a ela: linda, boa e sorridente. Julgo-me completamente desautorizada a afirmar se o tal sonho se concretizou ou não.
Aprender a ler veio também com dois outros prazeres sensoriais. Um, o gosto do café com leite morninho servido na hora da merenda num copo de plástico azul. Nunca mais, em lugar nenhum, consegui tomar um café com leite que se igualasse àquele. Eu já até desisti de procurar; será em vão essa demanda. O outro, o cheiro da goma que minha avó preparava para engomar as fitas com que fazia os laços de minhas marias-chiquinhas para ir à escola. Eu ficava absorta vendo aquelas fitas começarem tão molengas e depois ficarem tão durinhas e se transformarem naqueles laços imensos que ficavam parados no ar enquanto eu caminhava até a escola. A minha preferida era a fita azul celeste. Não sei se pela cor exatamente ou por imaginar que pudesse carregar um pouco do céu nos meus cabelos.
Nessa época, morávamos muitas pessoas no mesmo apartamento: minha avó, minha mãe, minha tia Júlia e meu tio, meus primos e minha outra tia, a Violeta. Além de mim, é claro.  Eu dividia um quarto com minha mãe, minha avó e essa minha tia Violeta. Era um apartamento de dois quartos e o movimento era incessante. Hoje sei exatamente em que situação econômica a família se encontrava, mas, para uma criança, nada disso tinha importância se ela se divertia, recebia atenção e não faltava comida à mesa.
Minha mãe, meu tio e minha tia Violeta trabalhavam o dia todo, assim eu mal os via. Meu primo mais velho estudava num colégio interno, o outro era um bebê. Minha tia Julia se ocupava da casa e do bebê. Dessa forma, quem ficava comigo e foi minha grande companheira era minha avó.
Em nossa casa havia pouquíssimos livros. Nem Bíblia existia, porque era uma família comunista, então nada de ópio do povo dentro de casa. Lembro-me de uns livros grandes, de capa dura e verde, cheios de figurinhas, com umas páginas com grandes imagens coloridas, que eu adorava mesmo antes de saber ler, exatamente por conta das ilustrações. Depois vim a saber que eram enciclopédias compradas por meu avô, — que não cheguei a conhecer —, antes de falecer e consistiam no maior tesouro de minha avó.
Por conta disso, as primeiras histórias que ouvi quando criança não eram as que estavam nos livros, mas as que minha avó trazia consigo desde sua infância, mescladas aos causos escutados nos anos em que viveu numa fazenda no interior do Uruguai, em plena pampa, em meio a contos de valentes “gauchos” (assim sem acento mesmo!) e intrépidos “charruas”, os indígenas que povoavam aquelas terras e que foram dizimados. Histórias de cavalgadas e assombrações, donzelas traídas e abandonadas, crianças raptadas por lobos e pumas. Eu as escutava com um misto de terror e êxtase, ao mesmo tempo torcendo para que elas terminassem e eu fosse dormir e para que elas não findassem jamais e eu pudesse viver naquele tempo tão diferente de tudo o que eu conseguia imaginar. E as histórias invadiam meus sonhos, às vezes em forma de pesadelo, às vezes em forma de sonhos lindos que eu transformava em desenhos no dia seguinte.
Quando aprendi a ler, um certo dia, porém, minha avó, ao me ver maravilhada com a nova descoberta, disse que iria me levar a um lugar muito especial: a biblioteca municipal de nosso bairro. Soube depois que ela havia comentado com uma vizinha que eu aprendera a ler e a tal vizinha a aconselhara que fizesse isso.  Ao chegarmos lá, achei aquele lugar a maravilha das maravilhas, ou “o suco dos sucos”, como eu viria a dizer depois de ser apresentada a uma tal menina do nariz arrebitado. Um monte de livros, de todos os tamanhos, formas, cores ali me esperando, ávidos para que eu os escolhesse e os retirasse daquela vida pacata e poeirenta das estantes. A moça da biblioteca perguntou se eu sabia ler direitinho e me deu um volume dizendo que eu iria gostar muito daquele livro.
Que moça sabida! Acertou em cheio. Comecei a ler Reinações de Narizinho e não conseguia mais parar. Eram horas a fio devorando aquelas aventuras, rindo às gargalhadas com as primeiras palavras de Emília, amando de paixão aquela avó quase tão maravilhosa como a minha, desejando que meu primo fosse igual ao Pedrinho.
Minha avó começou a ficar cismada. Me chamava para ir à pracinha brincar, mas eu só aceitava se a turma do Sítio fosse junto. Me chamava para fazer cocada preta com ela e eu demorava a chegar à cozinha porque faltava sempre mais um pouquinho para terminar aquele capítulo.
Até o dia em que ela me flagrou aos prantos num canto da casa com o livro no colo. Engolindo lágrimas e o que escorria do nariz, acabei desembuchando o que me deixava tão infeliz: é que o livro ia acabar. Faltava pouquinho e eu ia ficar sem aqueles amigos para sempre. Foi quando ela teve aquela ideia genial (as avós são a melhor invenção da humanidade!): por que eu não lia para ela em voz alta o livro todo de novo? Eu achei aquela proposta meio maluca, mas ela me disse que, como ela era uruguaia e o Lobato era brasileiro, ela nunca tinha lido os livros dele.
Topei. E assim começamos uma nova história. Agora era a neta quem lia as histórias de Dona Benta e seu Sítio para a avó. Que ouvia encantada e se divertia da mesma forma que a neta, voltando à infância de sua fazenda por meio das estripulias de Emília e companhia. Naquele tempo eu nem desconfiei. Fiquei achando durante um bom período que ela tinha inventado aquilo tudo só para me agradar e arranjado uma maneira de que eu ficasse mais um tempo com o livro tão amado. Só muitos anos mais tarde fui conhecer a verdade por trás de tudo. Minha avó era analfabeta. Mal sabia assinar o nome. Criada no interior do interior, numa família tradicional, em que mulher não precisava ler, ficou assim.
Mas Monteiro Lobato veio mudar tudo isso. Com vontade de ler por sua própria conta os livros para adultos do meu autor preferido, ela também começou a juntar as letrinhas e a magia aconteceu. Mas essa já é outra história.

Entrega do diploma da premiação/ 2016


Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil/ Seção da IBBY

sábado, 22 de abril de 2017

   Parceria Pulo do Gato

Iniciando uma nova etapa para o Emilíssimas

Há um tempo, vinha pensando em reativar de vez este blog. Dois fatos e uma ideia (brilhante!) vieram se somar a esse desejo e, como creio que tudo tem seu tempo certo de acontecer, chegou a hora de reacender a alegria deste Emilíssimas. Afinal, a homenageada mais que merece!
Em termos cronológicos, veio primeiramente a ideia: usar este espaço para divulgar não só nossa literatura, sobretudo a dedicada a crianças e jovens, mas promover um intercâmbio com a literatura de nossos hermanos vizinhos (ou não...). Tenho mais contato, por uma série de razões, com a literatura produzida na Argentina, mas será um desafio contactar autores de nuestra America para trocarmos figurinhas neste ( e em outros) espaço(s).
Em segundo lugar, veio a aprovação e consequente início de uma jornada inédita como professora substituta de Didática de Português e Literaturas na nossa amada e respeitada UFRJ. Comecei há pouco e estou embevecida pelos alunos e animada com essa nova experiência. Um desafio e tanto o trabalho de fornecer ferramentas e paixão para os novos professores que irão, por sua vez, formar os novos leitores de nosso Brasil. Missão árdua, porém necessária e apaixonante. Verdadeira cachaça.
E, em terceiro lugar, de forma despretensiosa, inscrevi este blog para a seleção de blogs parceiros da Editora Pulo do Gato. Como eu andava descuidando deste jardim de letras, achei que nem iria acontecer. Mas, eis que...recebi o selo e o projeto de parceria. Uma parceria, não uma exclusividade, o que me parece genial e democrático.
Assim, feliz, muito realizada, sentindo as forças do Cosmo conspirando a favor e disposta a arregaçar as mangas, eis-me de volta!
Para arrematar, um trecho de uma crônica de Otto Lara Resende, publicada na Folha de São Paulo, em 23/02/1992 (ano em que veio a falecer):

"Uma criança vê o que o adulto não vê. Tem olhos atentos e limpos para o espetáculo do mundo. O poeta é capaz de ver pela primeira vez o que, de fato, ninguém vê. Há pai que nunca viu o próprio filho. Marido que nunca viu a própria mulher, isso existe às pampas. Nossos olhos se gastam no dia a dia, opacos. É por aí que se instala no coração o monstro da indiferença". 

Que mantenhamos esse olhar infantil da primeira vez. A curiosidade. E que a literatura nos ajude sempre nessa tarefa!
Boa tarde!


(Link da imagem: http://www.ims.com.br/ims/explore/artista/otto-lara-resende/mais)



terça-feira, 8 de dezembro de 2015

DICA DE LEITURA DO DIA


María Teresa Andruetto advoga em seu livro Por uma literatura sem adjetivos a favor da ideia de que o "bom escritor" não produz textos, que crianças e jovens possam ler, vinculados ao que o mercado ou as instituições determinam que seja infantil e/ou juvenil. Ao contrário, ela diz que:
 "O que pode haver de 'para crianças' ou 'para jovens' numa obra deve ser secundário e vir como acréscimo, porque a dificuldade de um texto capaz de agradar a leitores crianças ou jovens não provém tanto de sua adaptabilidade a um destinatário, mas, sobretudo, de sua qualidade, e porque quando falamos de escrita de qualquer tema ou gênero, o substantivo é mais importante que o adjetivo". (2012,p. 61) 
No caso de Andruetto, teoria e prática caminham de mãos dadas, pois sua obra é reflexo do que ela pensa acerca da produção literária. Um dos exemplos de como a qualidade literária proporciona experiências estéticas que não podemos definir a priori a quem se destinam é o livro A menina, o coração e a casa (2012),no Brasil (muito bem) traduzido por Marina Colasanti. 


Nesse livro, a linguagem mescla um ponto de vista infantil a temáticas que tratam do ser mulher e suas histórias de abandono, da paternidade de filhos portadores de Síndrome de Down, sem fazer nenhuma concessão a um discurso simplificado, idealizado ou piegas. A voz do narrador por vezes se confunde com uma voz de criança, com a lógica de pensamento e discursiva da infância; porém, por vezes, é amadurecida e apresenta de forma incisiva as dores de enfrentar o abandono e o preconceito.
A menina, o coração e a casa nos conta como uma menina, Tina, que não gosta de seu nome, tem de enfrentar, aos cinco anos, uma família cuja história de abandono parece impregnada no código genético e atravessa gerações. Por meio da relação com seu irmão Pedro, portador de Síndrome de Down, a menina se fortalece e parte para a ação, tendo ideias que farão com que aquele ciclo possa cessar e, com isso, o mundo a sua volta começa a mudar. Acompanhamos, com cumplicidade, a um ano da vida dessa menina e vamos nos regozijando com suas conquistas, trabalho árduo, porém eficaz.
Ao iniciarmos a leitura, a epígrafe de Audre Lorde, já nos insere no tipo de narrativa com a qual nos iremos deparar.
"Traça-se um mapa de onde já se esteve. mas ainda não há mapa do lugar para o qual nos dirigimos".
Não há respostas prontas, não há sentimentos idealizados, não há personagens perfeitas, lineares. Tudo é dúbio e pode apresentar-se de diferentes maneiras. Cada um deve ser responsável por seguir seu percurso e viver suas próprias experiências. E Tina sabe que não quer repetir o que lhe é apresentado como naturalizado e sem respostas.
A narrativa, em virtude dos percalços enfrentados pela menina, por vezes apresenta um tom melancólico e até mesmo sufocante:
" Um dia, ela tentará reconstruir a vida que agora, quando acaba de completar cinco anos, ainda não entende. Incluirá, então, em seu relato essa tarde de domingo em que ela e o pai voltam sozinhos para casa, com a tristeza que sempre dá aos domingos, e com as primeiras luzes da noite que se acendem do lado de fora da janela do carro." (p.21)
Esse é um livro que deve-se ler com o coração aberto, pois não tem fronteiras e nos deixa pensativos ao final, tanto em relação à temática quanto ao diálogo estabelecido conosco, leitores: Há, afinal, um livro que possa ser apenas para crianças? Há temas que não devem ser discutidos com crianças? O que as crianças sentem e pensam a respeito das diferenças e das convenções? 
Deliciem-se com uma verdadeira obra de arte literária ao ler A menina, o coração e a casa.


segunda-feira, 16 de novembro de 2015

DICA DE LEITURA DO DIA

     O livro de hoje é Zoo Loco de María Elena Walsh, que , muito bem traduzido no Brasil por Gláucia de Souza, foi criativamente ilustrado pela Ângela Lago e publicado pela Editora Projeto.Único livro de María Elena Walsh traduzido em português, Zoo Louco foi lançado em 2011. A autora argentina faleceu antes de ver o livro pronto, mas chegou a revisar a edição.

          Zoo Loco foi publicado na Argentina pela primeira vez em 1964,pela Luis Fariña Editor, com ilustrações de Ruth Varsavsky, e foi reeditado inúmeras vezes até hoje. Pela editorial Sudamericana (Buenos Aires, 1970, com ilustrações do também argentino Pedro Vilar, foi a edição mais difundida; depois pela Espasa Calpe, em 1996, com ilustrações de Eduardo e Ricardo Fuhrmann; e a que circula atualmente, da Editorial Alfaguara(Buenos Aires, 2000), com ilustrações de Perica (Silvia Jacoboni).

Capa da primeira edição (1964)

 


Edição de 1970






















Composto por 42 poesias do tipo limericks (em espanhol a palavra não foi traduzida), Zoo Loco apresenta uma síntese de elementos que perpassam toda a obra de María Elena Walsh: o nonsense, o absurdo, o disparate, o jogo com a linguagem e o humor daí proveniente.

Os poemas de MEW têm como protagonistas animais que não necessariamente são apresentados no primeiro verso. Ela nos apresenta uma galeria , isto é, um zoológico de animais excêntricos, impossíveis, surrealistas e delirantes.
Com a infância como interlocutora e como desculpa para brincar com as palavras, MEW se permite imaginar loucuras e dizer bobagens. São poemas que se desligam da tirania do sentido e se transformam em brinquedos feitos de palavras. Foi um livro que revolucionou a LIJ argentina no campo da poesia para crianças.


Edição brasileira de 2011

OS LIMERIQUES POR MARÍA ELENA WALSH
“ Os ingleses são pessoas muito sérias, mas muito amantes de dizer disparates. Em inglês se escreveu uma grande poesia, e a seu pé, como os matinhos junto às árvores, florescem umas curiosas histórias em verso que se chamam limeriques.
Ninguém sabe quem inventou o limerique. O certo é que, através dos séculos, parece que muita gente se divertiu enredando, escutando e repetindo esses pequenos contos que se compõem, ninguém sabe por quê, de dois versos longos, dois curtos e um longo.
Em geral contam imensas bobagens, coisas pra lá de sabidas ou mentiras descomunais. (...)
Os limeriques aparecem de repente, como um bicho na ponta do lápis, e começam a correr por conta própria sobre o papel.” 


Assista a LA FOCA LOCA, produzido pela Canal Pakapaka da TV pública argentina. Uma graça!


quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Volto hoje a este blog depois de anos sem utilizá-lo. Achava até que não existissem mais blogs, mas eles resistem firmes e fortes, e creio que seja, afinal, uma boa maneira de me aproximar de meus leitores e amigos, virtuais ou não.
Aproveito o dia de hoje para postar o convite para o evento do Poesia no Parque deste sábado, dia 07/11, às 10h30min, em Santa Teresa.
Posto um trecho de um dos poemas de A Rosa do Povo, de Carlos Drummond de Andrade, que terei a honra de ler acompanhada pela amiga e escritora Juliana Borel:

"Não rimarei a palavra sono
 com a incorrespondente palavra outono.
 Rimarei com a palavra carne
 ou qualquer outra, que todas me convêm.
As palavras não nascem amarradas,
elas saltam, se beijam, se dissolvem,
no céu livre por vezes um desenho,
são puras, largas, autênticas, indevassáveis."



domingo, 30 de janeiro de 2011

DICA DE LEITURA DO DIA...

Estou degustando página a página, causo a causo, o livro Minha vida de menina de Helena Morley. Passado na Diamantina do final do século XIX, as confissões dessa menina de 13 anos me divertem. Ela, sim, é muito autêntica e nos dá uma lição de como a felicidade deve estar de braços dados com a tristeza e a frustação e de que essas trivialidades, essas bobagens e miudezas do dia-a-dia são aquelas que nos deixam mais felizes! O relato tem uma linguagem que flui como os riachos mineiros ,e chegamos a sentir o cheiro dos quitutes que nossa pequena heroína devora ao longo da narrativa. O suco dos sucos!


Hoje li, de forma despretenciosa, a coluna de Marcia Cabrita , publicada em O Globo, e , ao final, percebi que gostei muito do que estava ali escrito. Não compartilho com ela a doença  (ainda bem!), mas , sim, o sentimento de que,  atualmente, não se pode mais sofrer  nem ser infeliz. A internet (sobretudo os sites de relacionamento) é a maior divulgadora desse novo (nem tanto assim) comportamento. É claro que ninguém irá para um facebook ou orkut para transformá-los em muros de lamentações, mas também não creio nessas excessivas demonstrações de felicidade que vejo por ali. Há hora, muitas, aliás, em que chego a me irritar com tamanhaalegria! Tanta comida boa que é devorada, lugares maravilhosos, passeios fantásticos, pencas de amigos, uma vida tão agitada e FELIZ! 
Vou confessar uma loucura: gosto de sofrer! Gosto de estar triste e depois deixar de estar; gosto de ficar meio deprimida e ler um bom livro e ver a depressão ir dar uma volta; gosto de chorar à toa e ainda escolher na locadora um bom filme que me faça chorar mais ainda! Gosto de pedir colo para meus familiares e amigos ... e receber, é claro!
E é isso que me move, essa maré de sentimentos, estar de um jeito e de outro. Ficar angustiada e depois realizar que foi uma bobagem sentir-me daquela maneira. Ficar em casa tristinha, na minha, me leva a escrever, a criar minhas caixas, a desenhar, a pensar, enfim, a criar... O recolhimento é algo decisivo para a minha criação. Mas, naturalmente, adoro dar boas gargalhadas. Mas por que não dizer: minha vida está uma chatice!? Nada de bom acontece! Não aguento mais tal coisa e tal lugar! Tudo tem sempre de ser divertido, temos de ser lindas, bem casadas, superrealizadas profissionalmente, sem nenhuma frustração!
Eu ando exausta, ando até pensando em sair dessas páginas... Mas talvez não, só pelo fato de poder rever pessoas realmente queridas, para poder-lhes contar como minha vida anda sem graça!