quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

PAPO SOBRE ILUSTRAÇÃO

Há alguns dias, foi postada no Publishnews  __ que recomendo a vocês, queridos leitores __ uma matéria sobre ilustração, que, em resumo,nos contava que numa determinada cidade dos EUA os livros ilustrados provavelmente iriam desaparecer, uma vez que eles não eram recomendáveis para os leitores em formação por "infantilizá-los" e, inclusive, atrapalhar no processo de aquisição da língua e da leitura. Causou-me tenebroso espanto tal reportagem, pois sabemos da importância atual do aprendizado de uma leitura crítica de imagens num mundo cada vez mais visual e virtual. Além disso, ilustração é arte e o ilustrador (salvo raríssimas exceções!) é um co-autor ou mesmo autor de livros ilustrados.
No forum de discussões da AEILIJ ( Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil), postei a tal reportagem e fui esclarecida pelo querido Leo Cunha que teria havido um problema quanto à tradução, pois a reportagem apenas se referia aos álbuns ilustrados, categoria que não temos muito por aqui na terrinha. Bom, mesmo assim, o espanto continuou. A partir de sugestão da Anielizabeth, excelente ilustradora, amiga e companheira da AEILIJ, postarei nossas conversas sobre o tema.

PRIMEIRO A MATÉRIA: (publicada em 30/11)
Livros infantis perdem espaço nas prateleiras Por JULIE BOSMAN

Os livros infantis fartamente ilustrados são tão pouco procurados hoje em dia na livraria Children's Book Shop, em Brookline, Massachusetts, que os funcionários da loja se acostumaram a colocar exemplares novos nas estantes, vê-los ficar parados ali e devolvê-los às editoras.
O fenômeno não se limita a essa loja. O livro ilustrado -presença constante na literatura infantil, com ilustrações chamativas, cores alegres, letras de tamanho grande e capa atraente- vem perdendo espaço. Esse tipo de livro não vai desaparecer -os nomes eternos, como as obras de Sendak e Seuss, ainda vendem bem-, mas as editoras vêm reduzindo o número de lançamentos, e livreiros nos EUA dizem que as vendas de livros infantis ilustrados estão em baixa.
A crise econômica é um fator importante a explicar a tendência. A lém disso, porém, os pais começaram a pressionar seus filhos em idade pré-escolar e na primeira série escolar a abrir mão dos livros ilustrados em favor de livros com mais texto e histórias divididas em pequenos capítulos. As editoras falam das pressões de pais preocupados com as avaliações escolares padronizadas e cada vez mais rigorosas.
"Os pais andam dizendo 'meu filho não precisa mais de livros com ilustrações'", disse Justin Chanda, editor da Simon & Schuster Books for Young Readers. "Há uma pressão real vinda de pais e escolas para que as crianças comecem mais cedo a ler livros para um público mais velho."
Mas editores e especialistas em alfabetização elogiam os livros ilustrados, dizendo que podem ajudar a desenvolver o pensamento crítico da criança.
"Até certo ponto, os livros ilustrados forçam a criança a ter um pensamento analógico", disse Karen Lotz, editora da Candlewick Press, em Somerville, Massachus etts. "De ilustração em ilustração, à medida que o leitor interage com o livro, sua imaginação vai preenchendo as lacunas."
Muitos pais deixam de levar em conta o fato de que livros com mais texto, parágrafos completos e menos imagens não são necessariamente mais complexos que os livros ilustrados. "O vocabulário de um livro ilustrado pode ser muito mais difícil que o de um livro com mais texto", disse Kris Vreeland, compradora da livraria Vroman's, de Pasadena, Califórnia.
Alguns pais dizem que dão livros com mais texto a seus filhos para fomentar as habilidades das crianças. Amanda Gignac, de San Antonio, Texas, é mãe que cuida dos filhos em casa e escreve o blog sobre livros The Zen Leaf. Ela contou que seu filho, Laurence, começou a ler livros com muito texto quando tinha quatro anos.
Laurence está com seis anos hoje e regularmente encara livros de texto de 80 páginas, mas ainda é um "leitor relutante", disse Gignac. Às vezes, ela contou, Laurence tenta voltar para os livros ilustrados. "Ele ainda leria livros ilustrados hoje, se o deixássemos, porque não quer ter trabalho para ler", explicou.
Jen Haller, vice-presidente e editora associada do Grupo Penguin de Leitores Jovens, disse que, embora algumas crianças estejam começando a ler livros de texto mais cedo, ainda leem livros ilustrados ocasionalmente.
"Os livros infantis ilustrados possuem um forte elemento confortador", disse Haller. "Não é o caso de essa porta se fechar, e de eles nunca mais poderem ler livros ilustrados."



ANIELIZABETH COMENTA: (04/12)
Ai, Antonella, querida!
Meu estômago foi no pé com este texto. Quantos equívocos!
Lamentável saber que as pessoas saem por aí espalhando este tipo de coisa, Antonella. Como se a ilustração fosse algo fútil em um livro, ou distanciasse a criança da leitura. Meu Deus, tanto já se leu, já se produziu de material teórico sobre isso e ainda vemos editoras, livreiros e professores às voltas com estas questões. Dia desses participei de um evento onde um senhor, contador de histórias profissional, resolveu ler para as crianças um livro ilustrado por mim. Ele não mostrou nenhuma imagem durante a leitura. Aliás, ele virava as páginas com rapidez, dobrava o livro e ignorava as páginas duplas, as vinhetas, os detalhes que as crianças iam apontando pelas beirinhas dos dedos dele... E eu ali, sorrindo, em cólicas. Terminada a contação, não me segurei. Refiz a leitura atentando para como o livro poderia ser contado pelas imagens, pelas páginas duplas, pelas vinhetas, pela diagramação... Enfim, havia tanta coisa a ser explorada... No fim de tudo, ele ficou lá, olhando os originais, fazendo perguntas acerca da criação das imagens.
Ainda precisamos quebrar muitos paradigmas mundo afora, né?
Beijos
Anie
Anielizabeth
Ilustradora
www.anielizabeth.blogspot.com
Coordenadora Regional AEILIJ - RJ
www.aeilijrio.blogspot.com


MÁRCIA SZÉLIGA COMENTA: (06/12)

Certa vez em que eu dei um curso de extensão na Universidade Federal do Paraná, de ilustração de livros, tive uma aluna que se inscreveu apenas para entender o porquê de eu fomentar a ilustração de livros para crianaçs como algo positivo.
Sendo ela professora de pré-escola e ensino fundamental, alegava num tom de revolta que as ilustrações só serviam paradesviar a atenção da criança da matéria, e para distraí-la, o que ocasionava como consequência a total perda de controle sobre a turma. Logo, essa professora bania todo livro infantil da sala. Ela é só um exemplo do que pode ter a mais por aí espalhado nas escolas.
Bem... aconteceu que propus à turma um exercício já de imediato diante desse depoimento. Ela disparou dizendo que nunca havia pegado em lápis e que detestava desenhar. (Fiquei imaginando então que força de vontade era essa de se inscrever em meu curso...).
Então, antes de colocar o exercício em prática, lembrei de O Pequeno Príncipe. Perguntei se ao menos isso ela já havia lido. Ufa! Respondeu que sim. E conduzi a turma a lembrar da parte em que a cobra engoliu um elefante e do quanto esse desenho foi ridicularizado pelos adultos, dizendo que era um chapéu.
Então, através de outros exemplos, pude provar o quanto em nossa infância somos ridicularizados em nossas garatujas, e quanto ainda o ensino nas escolinhas ainda procura mostrar aos seus clientes - os pais - o quanto seus filhinhos estão se desenvolvendo em coordenação motora nos exercícios das caríssimas apostilas adotadas, e muito pouco é dado de expresão livre para que não sujem os uniformes, nem lambuzem os paéis, nem gastem muito material, porque fica "feio". Porque os adultos não vão aprovar, não vão gostar, não vão entender, vão ridicularizar, e estão pagando escola afinal pra quê, não é mesmo?
E lembrei também daquele tio ou tia ou irmão que pedia pra desenhar e cuidar pra não pintar fora da linha, e do dedo em riste apontando os defeitos do desenho, que precisava melhorar, e dei meu próprio exemplo da freira que bateu com a régua em minha mão por eu pegar errado no lápis para escrever.
Aconteceu então que foi quase que uma catarse coletiva. A aula que era pra ser de desenho, virou um divã de queixas de cada um, e a tal professora não pôde conter as lágrimas. Juntou o material e na saída disse que um tio dela a ridicularizou quando pequena quando ela desenhou uma figura para representar seu pai e seu tio riu dela dizendo que aquilo era uma aranha muito feia.
Pedi para que permanecesse e experienciasse a atividade. Mas ela saiu dali dizendo que a lição do meu curso ela já havia aprendido o que precisava.Espero mesmo que ela tenha colocado livros ilustrados pra petizada... (e perdoado o tal tio bobo).
Márcia Széliga
http://szeliga.multiply.com

ANTONELLA COMENTA: (07/12)
Anie e Marcia e todos,
Apesar de termos sido esclarecidas sobre a tradução mal feita da reportagem, na verdade, essa tradução assustou-me ainda mais. Se ela foi feita desse modo, é porque espelha um determinado ponto de vista que ainda permanece sobre a questão da ilustração "infantilizar" (no pior sentido possível) uma obra e seus leitores. Sempre me pergunto por que certos livros adultis não são ilustrados. Quantas vezes não temos vontade de comprar um livro pela capa?
Vejo, entre meus alunos, nos projetos de leitura, como, num primeiro momento, eles não querem livros ilustrados, mas, depois, após ler com eles livros como a "Flor do lado de lá" (acho que é esse o título, sou péssima para isso!) do Roger Melo e produzirmos debates e textos sobre o livro, eles percebem a importância , a riqueza da ilustração, e que elas não são nada de criancinha, como eles afirmam ao princípio. Ou seja, há essa difusão de que livro ilustra do é coisa de criancinha! No entanto, eles amam as HQs que existem hoje no mercado... Há ainda muito o que se pensar sobre a questão da ilustração, sobretudo no âmbito da leitura escolarizada!
Beijos e continuem criando muuuuuito!
Antonella

ANIE COMENTA: (08/12)
Oi Márcia!
Oi Antonella!
Oi Leo!
Concordo, com vc Antonella! Fiquei ainda mais assustada com o esclarecimento do Leo, pois reforça a ideia de que a ilustração é algo para criancinhas, um enfeitezinho para seduzir os inocentes, que ainda não foram apresentados às letras. Não há antagonismo entre texto escrito e texto por imagem. Um não desqualifica o outro, pelo contrário. O depoimento da Márcia foi bárbaro. Acho que todo ilustrador tem algo assim para contar.
Pensando nisso, poderíamos pensar num encontro para o ano que vem, hein? Quem sabe um ciclo de debates, conversa, seja o que for! Poderíamos fazer para professores e alunos! O que me dizes, Antonella? Ou ainda escrever depoimentos como estes em um blog. Animei!
Beijos!
Anie
Anielizabeth
Ilustradora
www.anielizabeth.blogspot.com
Coordenadora Regional AEILIJ - RJ
www.aeilijrio.blogspot.com

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